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segunda-feira, 18 de maio de 2009




A reinvenção da alfabetização


Quais são as causas dessa perda da especificidade da alfabetização? É muito difícil analisar os fatos recentes, por um lado, por estarmos participando do processo; por outro, temos de fazê-la porque a questão é grave. Não podemos deixar esses milhões de alunos, crianças e jovens, saírem da escola semi-alfabetizados, quando não saem analfabetos.

O que poderíamos levantar como hipótese? Primeiro, uma concepção de alfabetização que, coincidentemente, chegou ao País na mesma época que o conceito de letramento, nos anos 80; segundo, uma nova organização do tempo da escola, que consiste na divisão em ciclos, trazendo junto a questão da progressão continuada – da não-reprovação.

Essa concepção de alfabetização está, de certa maneira, associada ao construtivismo. Não estou afirmando que essa concepção seja errada, mas a maneira como ela se difundiu no sistema é que pode ser uma das causas da perda de especificidade do processo de alfabetização. A mudança conceitual que veio dos anos 80 fez com que o processo de construção da escrita pela criança passasse a ser feito pela sua interação com o objeto de conhecimento. Interagindo com a escrita, a criança vai construindo o seu conhecimento, vai construindo hipóteses a respeito da escrita e, com isso, vai aprendendo a ler e a escrever numa descoberta progressiva.

O problema é que, atrelada a essa mudança de concepção, veio a idéia de que não seria preciso haver método de alfabetização. A proposta construtivista é justa, pois é assim mesmo que as pessoas aprendem, não apenas a ler e escrever, mas é assim que se aprende qualquer coisa: interagindo com o objeto de conhecimento. Mas os métodos viraram palavrões. Ninguém podia mais falar em método fônico, método silábico, método global, pois todos eles caíram no purgatório, se não no inferno. Isso foi uma conseqüência errônea dessa mudança de concepção de alfabetização. Por equívocos e por inferências falsas, passou-se a ignorar ou a menosprezar a especificidade da aquisição da técnica da escrita. Codificar e decodificar viraram nomes feios. "Ah, mas que absurdo! Aprender a ler e escrever não é aprender a codificar e decodificar".

Aí é que está o erro. Ninguém aprende a ler e a escrever se não aprender relações entre fonemas e grafemas – para codificar e para decodificar. Isso é uma parte específica do processo de aprender a ler e a escrever. Lingüisticamente, ler e escrever é aprender a codificar e a decodificar.

Esse modo de ver as coisas fez com que o processo de ensinar a ler e escrever como técnica ficasse desprestigiado. As alfabetizadoras que ficam pelejando com os meninos para eles aprenderem a ler e escrever são vistas como retrógradas e ultrapassadas. Mas, na verdade, elas estão ensinando aquilo que é preciso ensinar: codificar e decodificar. As alfabetizadoras podem até estar ensinando pelos caminhos inadequados, mas isso precisa ser feito.

...

Minha hipótese é a seguinte: o construtivismo – aliás, o construtivismo constitui uma teoria mais complexa do que a que está presente no senso comum – nos trouxe algo que não sabíamos. Permitiu-nos saber que os passos da criança, em sua interação com a escrita, são dados numa direção que permite a ela descobrir que escrever é registrar sons e não coisas. Então, a criança vai viver um processo de descoberta: escrevemos em nossa língua portuguesa e em outras línguas de alfabeto fonético registrando o som das palavras e não aquilo a que as palavras se referem. A partir daí a criança vai passar a escrever abstratamente, colocando no papel as letras que ela conhece, numa tentativa de, realmente, escrever "casa", sem o recurso de utilizar desenhos para dizer aquilo que quer. Então, depois que a criança passa pela fase silábica para registrar o som (o som que ela percebe primeiro é a sílaba), ela vai perceber o som do fonema e chega o momento em que ela se torna alfabética.

Esse foi um grande esclarecimento proporcionado pelo construtivismo. Só que, quando a criança se torna alfabética, está na hora de começar a entrar no processo de alfabetização, de aprender a ler e a escrever. Por quê? Porque quando se torna alfabética, surge o problema da apropriação, por parte da criança, do sistema alfabético e do sistema ortográfico de escrita, os quais são sistemas convencionais constituídos de regras que, em grande parte, não têm fundamento lógico algum. E a criança tem de aprender isso. Ela tem de passar por um processo sistemático e progressivo de aprendizagem desse sistema. Nesse campo, a grande colaboração é da Lingüística, ao tratar das relações entre sistema fonológico e sistema ortográfico. Assim podemos determinar qual é o melhor caminho para a criança se apropriar desses sistemas e de suas relações.É a isso que eu chamo da especificidade do processo de alfabetização. Não basta que a criança esteja convivendo com muito material escrito, é preciso orientá-la sistemática e progressivamente para que possa se apropriar do sistema de escrita. Isso é feito junto com o letramento. Mas, em primeiro lugar, isso não é feito com os textos 'acartilhados' – "a vaca voa, ivo viu a uva" –, mas com textos reais, com livros etc. Assim é que se vai, a partir desse material e sobre ele, desenvolver um processo sistemático de aprendizagem da leitura e da escrita.





Magda Soares


Parte de palestra proferida na FAE UFMG, em 26/05/2003, na programação "Sexta na Pós". Transcrição e edição de José Miguel Teixeira de Carvalho e Graça Paulino.


Texto integral: http://www.cultiva.org.br/bt/educacao/reinvecao_da_alfabetizacao_magda.doc
BLOG. Carrossel da Aprendizagem

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